
Expropriação Pública
Em Cabo Verde, o direito à propriedade privada é um dos princípios estruturantes da Constituição da República. Está consagrado no artigo 69º, com a seguinte redação: “É garantido a todos o direito à propriedade privada e à sua transmissão em vida ou por morte, nos termos da Constituição e da lei.”
Acontece que, o direito à propriedade privada não é um direito absoluto, visto que, a este direito pode ser imposto limitações, designadamente, a figura da expropriação pública.
Em suma, a expropriação faz com que o proprietário perca o seu direito à propriedade. Contudo, de salientar que, a expropriação não ocorre em qualquer situação, pois, faz-se mister o preenchimento de certos pressupostos para expropriar-se um privado do seu direto de propriedade;
Para o efeito, e para que a expropriação não seja abusiva, o Legislador regulamentou através da Lei n.º 2030 de 22 de Junho de 1948, alterada pela Lei n.º 5/VII/2007 de 22 de Janeiro, a figura jurídica de expropriação pública e o seu procedimento, salvaguardando os direitos dos expropriados.
O que é a expropriação pública?
A expropriação, é a subtração do direito de propriedade ou de direitos relativos a este, ao seu titular e a sua apropriação por um sujeito diferente (Estado, autarquias locais ou quaisquer autoridades públicas ou privadas), para a realização de um fim público, mediante o pagamento de uma justa e prévia indemnização em dinheiro.
Em primeiro lugar, cabe dizer que a expropriação só incide sobre bens imóveis privados, pois, quando se afeta bens de domínio público, estamos perante a figura da apropriação. A expropriação, pode incidir sobre todo ou parte dos bens imóveis, e sobre direitos relativos a bens imóveis.
A expropriação dos bens imóveis é a subtração dos bens objeto do direito de propriedade, a saber, terrenos e edifícios. A expropriação de direitos relativos a bens imóveis é a expropriação de outros direitos reais que não sejam o direito de propriedade, nomeadamente, os direitos reais de gozo e de garantia, mas, também os direitos obrigacionais ou de crédito que incidem sobre os bens imóveis.
O Estado, autarquias locais ou quaisquer autoridades públicas ou privadas ao expropriarem um imóvel, automaticamente, extinguem-se os direitos que o oneravam, devendo a entidade expropriante pagar uma indemnização ao proprietário e uma indemnização a cada um dos titulares de direitos obrigacionais e de direitos créditos que incidirem sobre o imóvel. De ressalvar que a referida indemnização deve ser paga em dinheiro.
Os bens imóveis e os direitos que lhes são inerentes, só podem ser expropriados com fundamento na utilidade pública, incluída nas atribuições, fins ou objecto da entidade expropriante, devendo a expropriação limitar-se ao estritamente necessário à realização do fim pretendido, observadas as os princípios da legalidade, justiça, transparência, imparcialidade e boa-fé.
Logo, ao individuo expropriado, é-lhe impostos sacrifícios em proveito da coletividade, todavia, essa vantagem/proveito não tem de ser obrigatoriamente para toda a comunicada, podendo, para o efeito ser para uma parte significativa da comunidade.
É de se ressalvar que, também para que, seja admitida a expropriação, é necessário que o benefício que resultará para a comunidade não possa ser conseguida de outra forma, senão através da expropriação do privado. Caso contrário o expropriante deve recorrer a vias alternativa, ao invés da expropriação pública.
Em que consiste o processo de expropriação pública?
O nosso legislador estabeleceu dois processos para a expropriação pública, senão vejamos:
i. Um processo administrativo, que consiste no conjunto de atos que gravitam em torno do ato de declaração de utilidade pública;
ii. Um processo judicial, que abrange os atos relacionados com a discussão do valor da indemnização, que é da competência dos tribunais arbitrais e tribunais comuns, dependendo se a expropriação for litigiosa ou amigável.
O processo expropriativo, inicia-se com o envio do pedido de declaração de utilidade pública pelo interessado, ao membro do Governo responsável pelo ordenamento do território, que é a entidade que tem competência para declarar a utilidade publica de expropriação.
Este pedido deve ser acompanhado de certos documentos, entre os quais, a identificação sucinta dos bens sujeitos a expropriação, referindo a descrição predial e inscrição matricial, e mencionar os direitos, ónus ou encargos que sobre eles incidem bem como os nomes dos respetivos titulares e salientar, o fim da expropriação, e a prova de ter havido uma tentativa de acordo.
E se estiverem preenchidos todos os requisitos para ser decretada a expropriação, o membro do Governo responsável declara a utilidade pública, passando o imóvel para a posse da Administração.
No decurso do processo administrativo, deve ter em conta que:
Se o expropriado estiver de acordo com a expropriação, mas não chegarem em um acordo em relação ao preço, deve-se recorrer ao juiz de direito da comarca, para resolver esta discrepância, estando aqui, perante um caso de expropriação amigável;
Se o expropriado não estiver de acordo com a expropriação, mas mesmo assim esta é concedida por motivos de utilidade pública, deve-se fixar o preço, e na falta de acordo sobre o preço recorre-se para o tribunal arbitral, e sobre a decisão do tribunal arbitral pode recorrer-se para o Tribunal- estando aqui, perante uma expropriação litigiosa;
A entidade expropriante deve proceder à cativação da dotação orçamental que suporta o encargo da expropriação.
A posse administrativa é sempre comunicada pela entidade expropriante, no prazo de 8 dias, por carta registada com aviso de receção prévia, ao expropriado ou representante legal, devendo ser feito publicidade desta comunicação em outros lugares.
Deve ser elaborado um auto de posse administrativa.
Quais são as garantias dos particulares no âmbito do processo de expropriação pública?
Quando se fala da garantia dos particulares, fala-se dos meios que os particulares podem lançar mãos, para a defesa dos seus direitos.
A primeira garantia que o particular dispõe, é uma garantia de carater geral, a saber, a de opor à expropriação, ou seja, o particular tem direito à impugnação contenciosa, com fundamento em ilegalidade e inoportunidade.
Mas, também são atribuídas garantias específicas, são elas, a caducidade, o direito de reversão e a indemnização.
Isto posto, em que consiste cada uma dessas garantias?
A reversão é o direito que a pessoa expropriada passa a ter, de requerer o imóvel de volta. Se no fim de dois anos após a adjudicação da coisa, não lhe for aplicado ao fim que determinou a sua expropriação ou tiverem cessado as finalidades da expropriação, a pessoa pode requerer que o imóvel volte para a sua esfera jurídica.
E a reversão deve ser requerida no prazo de três anos a contar da ocorrência do fato que a originou.
A caducidade ocorre quando a pessoa que tiver o direto à reversão não a requerer no prazo de três anos, caducando assim, o direito à reversão, passando o expropriado a ter apenas o direito de preferência na primeira alienação dos bens, por um prazo de vinte anos;
A indemnização visa compensar não o benefício que a entidade expropriante vai obter com o resultado da expropriação, mas sim, o valor real do bem de acordo com a sua utilização e situação à data da Declaração de Utilidade Pública.
Pelo exposto, conclui-se que, sendo a expropriação uma limitação ao direito à propriedade esta, por regra, não pode ser feita a “belo prazer” da entidade expropriante, devendo seguir o respetivo procedimento legal, para que não haja a violação de direitos fundamentais dos particulares.
No entanto, aos particulares são-lhes garantidos meios de defesa, face às arbitrariedades da administração pública, de forma a salvaguardar, noutros casos a recuperar os seus direitos.